1 de fevereiro de 2010

Cineclube não é clube

Rodrigo C. Salgado

Ao longo do tempo e do uso, muitas palavras perdem seu sentido original. Hoje em dia, quando falamos em “clube” nos vem uma noção de algo elitizado, seja do ponto de vista econômico, social ou cultural. Mas, no começo do século passado, por exemplo, “clube” significou quase o contrário, e dizia respeito a alguma forma de associação democrática, como as associações de imigrantes que buscavam condições de entretenimento, que a parcela dominante provavelmente não lhes permitia. Este seria um primeiro ponto a ser esclarecido porque, atualmente, falar em cineclube pode dar uma idéia de “panelinha”. Nada mais equivocado. Curiosamente, a história do cineclube é quase tão antiga quanto à própria história do cinema, o que justifica o termo, se entendido no contexto em que surgiu. Cineclube, então, deve ser entendido no seu amplo sentido, de acesso democrático aos meios audiovisuais, orientando-se a algum objetivo. Desse modo, os cineclubes têm três regras gerais que os orientam:
  1. Eles não têm fins lucrativos.
  2. O cineclube tem uma estrutura democrática.
  3. O cineclube tem um compromisso cultural, ou ético.
As duas primeiras regras tornam os cineclubes muito parecidos, quase iguais: se são democráticos e sem fins lucrativos, as pessoas que assistem aos filmes não pagam por isso e, ao mesmo tempo, podem (e devem!) opinar sobre que filmes gostariam que fossem exibidos; podem inclusive sugerir filmes que elas mesmas tenham feito; e podem ser organizadas sessões de debate, antes ou depois das exibições.

A terceira regra, por outro lado, torna os cineclubes cada qual diferenciado dos demais, porque leva em conta as demandas da comunidade local. Cada cidade ou cada grupo de pessoas prefere assistir determinados tipos de filme, ou prefere discutir os filmes sob determinado ponto de vista. Portanto, as características locais variam, mas toda atividade cineclubista deveria ser orientada a um compromisso cultural e ético, ou seja, influenciar na cultura local, retratando-a ou transformando-a de alguma forma ao longo do tempo, além do esforço em se promover o pensamento crítico.

Existem cineclubes no Brasil todo, mas dois me chamam mais a atenção. Pela beleza da proposta, um deles é o projeto Acenda uma Vela, que ocorre em algumas cidades do litoral de Alagoas, em que filmes são projetados nas velas das jangadas dos pescadores, à noite na praia. Outro projeto cineclubista de forte caráter ideológico é o cineclube Falcatrua, projeto de extensão da Universidade Federal do Espírito Santo, em que se pratica o livre acesso a todo e qualquer filme, o que os tem levado a atritos com distribuidoras de filmes recém-lançados. Mas é exatamente isso que eles querem, uma luta ideológica pelo direito de todos ao cinema!

Dadas essas noções gerais sobre a coisa, resta falar o mais importante: que Guaxupé e São Sebastião do Paraíso nos últimos tempos estão com um cineclube nas mãos, por meio da iniciativa do Instituto 14 Bis de Educação e Cultura. E existe uma grande vantagem nesses dois casos, a meu ver: há uma estrutura pronta para exibição dos filmes. Enquanto muitos cineclubes têm de se desdobrar para conseguir um local, material de projeção e som, temos isso pronto, à disposição. É só usar com bom senso! Nessa exata medida, estão todos convidados, sempre!

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Maravilha, Rodrigo.
    Seu artigo deveria ser o nosso manifesto cineclubista porque você resumiu exatamente tudo o que se precisa para se manter um cine Clube em funcionamento. Mostrar ao público o propósito a que se destina um cine clube e garantir que esse se sinta à vontade para não só frequentar, como também, se manifestar com opiniões sobre as futuras sessões.

    ResponderExcluir